segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Assim matei, no colegial (para Natália)



Cri cri cri cri

Não dance assim,
tá todo mundo olhando!

Cri cri cri cri

Como tem coragem de sair com o JF?
O Luquinhas te ama!

Cri cri cri cri

Nojo, amiga.
Tenho nojo do que tá me contando
Na cara? Mas você nem o conhecia.
Como deixou na cara?

Cri cri cri cri

Você já bebeu tanto, não fume isso...
Sua doida, tire a mão daí!
Cri cri cri cri
Ai, pára!
Tire a mão...
Cri cri cri
Não, sua pervertida.
Você é doida mesmo, amiga
Cri cri
Pare com isso, por favor
Não, beijar não
Ai, não...
Cri...
Ai...
...

E assim matei o meu grilo falante

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Centavos pro pastor e pra mim


“Está quebrado, em nome de Jesus! Orai, irmãos. Nenhuma enfermidade, nenhum mal restará em suas vidas, em suas famílias, se vocês aceitarem Jesus como único salvador”... variações sobre esse tema repetidas ad nauseam. Queria um baseado, naqueles tempos eu fumava muito. Queria também uns chopes gelados, uns beijos do Vi e carinhos na minha nuca, nada além. Não era difícil ter tudo isso, a não ser os beijos e carinhos que não viriam gratuitamente, mas somente como aquecimento pra uma boa trepada, mas não era de uma boa trepada que eu precisava e sim de um carinho de leve puro e simples. Mas nada é puro nem simples e nessa idade eu já começava a suspeitar disso. Tanto que eu estava me vendendo à palavra do Senhor, em troca das contas do mês e de mais uns trocados. Minha mãe suava, vibrava e, quem sabe, até gozava, ouvindo aquele sujeitinho nojento com seu terno caro e com seus passos galináceos, ciscando pelo púlpito e esbravejando por nossas almas e nossas notas.


Coitado do meu pai, sujeito calmo sujeitado pelo casamento. No final das contas, era da carteira dele que saia cada centavo que ia pro pastor e pra mim. O homem de Deus devia gastar em prostitutas e ternos, eu gastava em contas, comida, erva, chope e tequila. E meu pai trabalhava. Mas não quero falar do meu pai, coitado. Quero falar daquela igreja lotada, cheia de gente perdida, cheia de falácias e de esperanças infundadas. E eu cumprindo meu insignificante papel na peça, impaciente, salivando enquanto pensava no meu chope gelado e tentava ignorar os berros do pregador.

Finalmente, o fim. “Filhinha, volte pra casa, isso é uma besteira, para que quer ficar longe da gente?” (Porque não quero ser tua filha, não quero sua loucura me invadindo todos os dias, como se já não bastassem esses cultos uma vez por mês.) “Quero só construir minha própria vida, mãe. Quero ter essa responsabilidade.” Quero é andar nua pela casa, transar com o Vi, fumar meus baseados, beber minhas tequilas, mas minha mãe não entenderia isso. “Querida, toma seu dinheiro. Peguei mais cem pra você comprar umas roupas novas, essas que anda usando são horríveis”. Mais cem! Jesus salva! “Brigadinha, mãe.” E assim nos despedimos. Era nossa dose mensal de Deus, amor maternal e dinheiro. As coisas precisavam mudar. No começo, o Vi sempre trazia erva, mas agora eu é que tinha que dar a grana. Dava tudo pra ele e pouco recebia em troca. Com minha mãe, era gospel e amor de filha em troca das contas pagas e mais uns trocadinhos. Com o Vi, era algo mais nebuloso e eu sentia que cada vez mais eu levava desvantagem no negócio.

Ela não presta

Rodaria com meus laços no cabelo, igual a pião em roda de meninos. Mas nunca fui de laços no cabelo, mas sempre fui de rodas de meninos. “Põe na roda”, e eu ia feliz por ser carne de abate. Fazer a felicidade da gurizada que eu desprezava. Mania de ser o centro. O centro dos olhares no centro da roda de meninos. "Ela não presta”, não prestava nem antes, nem agora. E quem prestava? Eles? Os que gozavam em fila indiana? Ou as mães, em suas padronizadas vidas em casas de condomínios. Gente média, previsível, podre de nascença. Essas prestam. Se eu fosse de usar laços no cabelo, rodaria em rodas de meninos e se eu fosse poetisa, poetaria mais ou menos assim:

Gente séria e trabalhadora
Que paga em dia
Que cobra em dia
Que denuncia
Que fiscaliza
E que se esquece de viver

Mas não nasci e nem me fiz poetisa, nasci e me fiz carne sangue e pulsões. Menina das rodas e dos olhares, cheia de si, cheia de ódio, cheia de desprezo, cheia de desejo, cheia saliva, de porra e de vida.